terça-feira, 26 de julho de 2011

Amanhã é outro dia

Sentar à máquina de escrever. Folhear
um romance policial. No fim
ficar sabendo o que você já sabe:
o secretário de cara limpa, com barba rija,
é o assassino do senador
e o amor do jovem sargento da comissão de inquérito
pela filha do almirante é correspondido.
Mas você não vai pular nenhuma página.
De vez em quando, ao folhear, uma olhada rápida
para a folha em branco na máquina de escrever.
Seremos poupados disso, então. Bem, isso já é alguma coisa.
Saiu no jornal: num vilarejo qualquer,
as bombas não deixaram pedra sobre pedra.
Lamentável, mas o que você tem com isso.
O sargento está para impedir o segundo assassinato
embora a filha do almirante esteja (pela primeira vez!)
oferecendo a ele os lábios, serviço é serviço.
Você fica sem saber quantos mortos, o jornal sumiu.
Ao lado, sua mulher sonha com o primeiro amor.
Ontem ela tentou se enforcar. Amanhã
vai cortar os pulsos ou sabe-se-lá-o-quê.
Pelo menos ela tem um objetivo em vista.
Que ela ainda há de atingir, de um jeito ou de outro,
e o coração é um vasto cemitério.
A história da Fátima no Neues Deutschland
era tão mal escrita que fez você rir.
A tortura é mais fácil de aprender que a descrição da tortura.
O assassino caiu na armadilha
O sargento encerra o prémio nos braços.
Agora você pode dormir. Amanhã é outro dia.

Heiner Müller, trad. Rodrigo Garcia Lopes

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